Delícias são tudo o que nos faz felizes: um livro, a magia dum poema ou duma música, as cores duma paleta ... No jardim o sol não raia sempre mas pulsa a vida, premente.
Sábado, 18.05.13
Entrevista com Maria Helena Vieira da Silva
Vieira e Sophia
(Tradução de Luiza Neto Jorge)
V. — (...) Aqui há dois anos aconteceu-me uma história curiosa. Uma das minhas amigas, Sophia Andresen, é deputada socialista em Portugal e escritora, também. Pediu-me ela que fizesse um cartaz para festejar o 25 de Abril, "Faz o que te apetecer — disse-me ela — a multidão, a rua, o que quiseres, mas é urgente."
Reflecti, e pus mãos à obra, deixando-me guiar pelo que naturalmente me ia vindo. Quando acabei, olhei para o que tinha feito e fiquei muito inquieta: parecia um vitral, via-se uma igreja e umas ruínas. "Neste momento lá em Portugal — pensei eu — a política tem prioridade, vão dizer que fiz uma pintura religiosa. Não pode ser, tenho que projectar outra coisa" e comecei a traçar uma rua antiga de Lisboa com uma multidão e cravos vermelhos. Quando a minha amiga voltou, escolheu o primeiro desenho (acabou por levar ambos). Perguntei-lhe: "Não irão dizer que é uma beatice? — Não — disse ela —, foi ali mesmo que tudo se passou." Lembrei-me então de que ao ler as notícias de Portugal sempre imaginava as manifestações descritas, diante de uma igreja que eu conhecia muito bem e da qual gostava, mas que esquecera por completo enquanto trabalhava. E no entanto tenho boa memória. O segundo cartaz era uma rua muito próxima dessa igreja, mas não fora ela o centro de tudo o que se passara e sim a tal ruína gótica, o Convento do Carmo. Como tudo isto é misterioso, não é verdade?
(in Anne Philipe, O Fulgor da Luz. Conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, Edições Rolim)
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